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Estudo mostra que casos de violência letal contra mulheres se mantêm elevados no Brasil


Créditos da imagem: Anete Lusina by pexels

Pesquisa constatou que as políticas públicas adotadas no país nas últimas duas décadas ainda não foram suficientes para frear o avanço das mortes em algumas regiões; Norte e Nordeste registraram alta expressiva de óbitos no período

A violência contra a mulher permanece sendo algo presente na sociedade. No Brasil, mesmo com a criação de políticas de proteção ao público feminino, não houve queda robusta dos casos de violência doméstica após a implantação das mesmas - como por exemplo a Lei Maria da Penha, vigente desde 2006, e a Lei do Feminicídio, sancionada em 2015. Essas medidas, apesar de serem importantes para incentivar as denúncias das agressões sofridas pelas vítimas, ainda não são suficientes para mudar de forma consistente o cenário vivido por muitas mulheres. Isso é o que revela um estudo realizado por pesquisadoras da Universidade Estadual de Maringá (UEM), publicado na Revista Latino-Americana de Enfermagem (RLAE), com sede na USP, em Ribeirão Preto.

A pesquisa avaliou a tendência temporal e a distribuição regional de 72.630 casos de violência letal contra mulheres de 15 a 59 anos no Brasil no período de 2000 a 2019. Embora a taxa nacional de casos por cada 100 mil mulheres tenha caído após duas décadas, passando de 6,35, em 2000, para 5, em 2019, algumas regiões apresentaram alta considerável nas ocorrências. O Norte e o Nordeste, por exemplo, destacaram-se negativamente, aumentando de 5,54 e 5,05 casos, em 2000, para 8,74 e 6,92, em 2019, respectivamente. Em contrapartida, o Sudeste apresentou redução dos números, passando de 7,61 casos, em 2000, para 2,99, em 2019. 

A discrepância dos números de acordo com a região evidencia o desfavorecimento socioeconômico pelo qual algumas áreas ainda passam e reforça a necessidade de melhorar as condições da população de maneira geral. "Precisamos olhar de forma mais atenta para as disparidades regionais e para o recorte de mulheres que estão mais suscetíveis a serem acometidas pela violência. Não é suficiente pensarmos apenas em políticas públicas gerais, que olhem o Brasil como um todo, pois cada local tem sua especificidade. Ao pensar nas regiões Norte e Nordeste, nós sabemos que ainda são localidades que se encontram em situação desfavorável com relação ao Sul e ao Sudeste", explicou a doutoranda Márcia Moroskoski, uma das autoras do artigo. 

O estudo também mostrou que a maioria das vítimas é formada por mulheres pretas, pardas e indígenas, sendo majoritariamente moradoras do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Isso acontece porque, de forma geral, a população preta e parda já é mais acometida por cenários de violência. Então, quando tratamos do nicho específico da violência contra a mulher, a estatística se repete, sendo esta parcela da população a mais afetada por estes crimes. A pesquisa mostrou ainda que a faixa etária mais atingida pelos agressores é a de 15 a 39 anos, considerada no estudo como uma população jovem. Embora as políticas públicas adotadas no período tenham ajudado a brecar um crescimento ainda maior da violência, elas não foram eficazes para evitar que os números se mantivessem elevados, o que indica que mortes podem continuar crescendo. Neste ponto, o artigo traz números e reflexões importantes que podem contribuir para a formulação de políticas públicas mais eficientes. 

“Devemos pensar em formas mais eficazes de atingir a igualdade de gênero. O Brasil é um dos países com a maior desigualdade desse tipo do mundo, especialmente quando o assunto é participação política, trabalho e renda. Equiparar isso também é trabalhar pela redução da violência contra a mulher. Quando analisamos a literatura sobre violência contra o público feminino, os fatores de risco são diversos. A questão socioeconômica, por exemplo, é uma das que mais contribui. Pobreza, baixa escolaridade, trabalho e falta de acesso básico a serviços de saúde são fatores que podem contribuir para  que a mulher vivencie uma situação de violência. A representatividade destas mulheres em cenários de protagonismo e privilégios sociais ainda é muito baixa”, completou Márcia.

Desafio em interpretar os dados - A violência, muitas vezes, surge como uma forma de controle do homem sobre a mulher. Ela passa por agressões verbais e psicológicas até chegar ao ponto da agressão física, que pode culminar na morte da vítima. Neste caso, o crime pode configurar feminicídio, que desde a implementação da Lei é uma qualificadora do crime de homicídio. Segundo Márcia, porém, essa tipificação não é discriminada nos dados oficiais disponibilizados publicamente. 

"Para nossa surpresa, o Brasil não tem uma base de dados nacionais com os casos de feminicídio. Para contornar a situação, optamos por trabalhar com homicídios femininos, que são disponibilizados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Os dados são preenchidos a partir da declaração de óbito, mas não fica clara a relação de gênero entre a vítima e o agressor. Então, com essa base de dados, a gente não consegue caracterizar os casos específicos de feminicídio. Mesmo assim, tínhamos algumas estimativas de estudos anteriores que dão conta de que cerca de 70% dos homicídios femininos são casos de feminicídio", explica.

Um dos pontos que mais chama atenção no artigo é a estabilidade que o Brasil registrou em relação às taxas de violência contra a mulher nas últimas duas décadas. Segundo Márcia, isso indica que, se nada for feito, as taxas se manterão altas. “Precisamos pensar em soluções para reduzi-las, pois mesmo que elas estejam em um cenário de estabilidade são números que já se encontram em um nível elevado. O Brasil é reconhecido como um dos países que mais mata mulheres no mundo. Temos que criar meios para reduzir de forma efetiva o número desses crimes", reitera a doutoranda.

A professora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UEM, Rosana Rosseto de Oliveira, que também participou da elaboração do artigo, afirma que o estudo é uma importante ferramenta que pode nortear a construção de novas políticas públicas. “Essa pesquisa colabora para aumentar a visibilidade desses casos, pois a violência ainda é muito frequente. Praticamente toda mulher conhece alguém que passou por uma situação de violência ou ela mesma já foi a vítima. Precisamos chamar mais atenção para isso porque os números que possuímos são apenas a ponta do iceberg. Existe uma grande quantidade de mulheres que diariamente são agredidas e não têm consciência ou até mesmo voz para conseguir relatar o que sofrem". 

Ainda de acordo com a docente, é preciso educar as mulheres sobre o que configura violência, já que muitas vezes elas sofrem sem sequer saber que estão sendo violentadas. É necessário ensinar o que é tolerável e o que é danoso e trabalhar em escolas para educar os mais jovens sobre o assunto desde cedo - tanto as meninas, para saberem se defender, quanto os meninos, para que não se tornem agressores. Além disso, é importante mudar a cultura de culpabilização das vítimas, situação ainda muito presente na sociedade em que elas são moral e psicologicamente violentadas por aqueles que deveriam proteger, acolher e confortar.

Agora, as pesquisadoras terão como foco um novo projeto de pesquisa cujo objetivo será avaliar a influência da pandemia de Covid-19 no número de casos de violência contra a mulher. Segundo as cientistas, os lares são fatores de risco para esta população. Como a restrição de circulação foi necessária para combater o avanço do novo coronavírus, as especialistas irão analisar qual foi o impacto real deste período nos índices de agressões. O projeto, que está em elaboração, já recebeu autorização do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) para coletar dados específicos de feminicídio sobre casos sentenciados pelo Tribunal durante a pandemia.

Por Fabrício Santos e Henrique Fontes

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