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Estudo aponta desigualdades no cuidado da saúde de adolescentes em situação de rua


Créditos da imagem: artranq by Freepik
 
Pesquisa foi realizada em Fortaleza, capital do Ceará, e mostrou os problemas enfrentados pela população desta faixa etária com a saúde pública
 
A desigualdade é uma problemática que atinge as mais diversas esferas da sociedade, e quando o assunto é saúde, isso não é diferente. Os meios e classes onde cada indivíduo está inserido vão ditar o tipo de acesso que ele conseguirá ter, e quando tratamos de pessoas em situação de rua, o agravante é ainda maior. No Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 281,4 mil não possuem um lar, número que é resultado de um crescimento de 211% do índice nos últimos 10 anos. Dentro desse contingente, é claro, estão os adolescentes.

A partir deste contexto, surgiu o artigo "Desigualdades em saúde de adolescentes em situação de rua", publicado na Revista Latino-Americana de Enfermagem (RLAE) e fruto da pesquisa de doutorado de Edna Johana Mondragón-Sánchez, professora da Universidade do Quindio, na Colômbia, que foi orientada pela professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Patricia Neyva da Costa Pinheiro. Além do óbvio abandono ao mínimo de conforto na vida, este público, que passa por um momento específico de transição e desenvolvimento humano, quando em situação de rua, enfrenta violência, falta de saneamento básico e higiene e alimentação inadequada. Uma vida repleta de precariedade que reflete diretamente na saúde.

A partir da pesquisa, foi possível compreender as desigualdades relativas à saúde de adolescentes em situação de rua e reunir evidências para construir estratégias que promovam equidade e dignidade no cuidado à saúde desses jovens. Participaram do trabalho 19 adolescentes em situação de rua, sendo 13 deles com idade entre 16 e 19 anos. Dos entrevistados, 11 eram do gênero masculino, três do feminino e cinco eram adolescentes trans; 15 deles se denominaram não brancos - pretos e pardos - e a maioria (14) era de Fortaleza, capital do Ceará.

“Eu sou da Colômbia, e quando cheguei aqui vi a realidade do Brasil. Uma realidade de desigualdade, pobreza, de adolescentes com muitas necessidades. Necessidades básicas, como na questão da saúde. Ao falar com a professora Patrícia, conseguimos trazer uma abordagem para os adolescentes em vulnerabilidade social para conseguir entender e apontar as problemáticas a serem trabalhadas para ajudar este público. Nossa ideia foi contribuir com todos os adolescentes que vivem nesta situação, e pudemos, a partir de dados quantitativos obtidos por meio de questionário, e os qualitativos, por meio de entrevista semiestruturada, entender essa realidade”, explicou Edna. 

O estudo constatou que, apesar do direito à saúde ser garantido constitucionalmente, ele não é usufruído de forma igualitária e integral por toda a população brasileira. De acordo com os depoimentos, esse entendimento parte do tipo de atendimento que lhes é prestado, às características das doenças e agravos que sofrem, aos locais a que recorrem em caso de problemas de saúde e também à falta de documentação de identificação. Esse último ponto, inclusive, influencia diretamente no atendimento, uma vez que a falta de documentação - fator predominante entre os entrevistados, com apenas nove deles tendo certidão de nascimento/casamento e cinco com identidade - gera a recusa do atendimento. 

“Eu trabalho com adolescentes em vários cenários de vulnerabilidade e a situação de rua é um deles. Apesar de na Colômbia também existir uma realidade precária como no Brasil, a situação é diferente. A questão de trabalhar o adolescente é fundamental para que possamos ter um adulto saudável. É preciso que as políticas públicas tenham o olhar voltado para a criança e para o adolescente, as duas faixas etárias, porque temos perdido muitos jovens seja por homicídios, violência, abuso ou doenças mentais. Esses adolescentes não estão nas ruas por escolha deles, muitas vezes é por falta de opção, por ter uma família desestruturada, as causas são muitas”, ratifica a professora Patrícia.

Ainda segundo a orientadora, é explícito que, uma vez que essa parcela da sociedade está nas ruas, ela deveria ser cuidada pelo Estado. A professora afirma que o poder público deveria assumir o compromisso de resgatá-los, cuidá-los e dar dignidade e oportunidade de estudo para eles. “Nós, como enfermeiros, precisamos ampliar o olhar de promoção da saúde, não focar apenas na doença. Nosso modelo ainda está muito voltado para a doença, e esse não é o foco principal. O foco deve ser em evitar o adoecimento, evitar que as pessoas venham a ter comorbidades e morram. A prevenção deve ser muito forte, principalmente em grupos como os adolescentes, que estão em maior vulnerabilidade”, explica ela.

Edna contou que durante o estudo foi preciso realizar uma imersão no cenário dos adolescentes em situação de rua, o que implicou em aproveitar a iniciativa da Prefeitura de Fortaleza com a Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci) através do Programa Ponte de Encontro. O trabalho de abordagem social é feito para auxiliar as políticas públicas com foco na socialização de crianças e adolescentes que estejam em situação de mendicância, exploração econômica e trabalho infantil. 

“Eu precisava aprender a compreender essa realidade social. Aprender a sentar e observar a realidade da rua. Depois, com os educadores sociais, sentamos e caminhamos pelos terminais, pelas praias e pelo Centro de Fortaleza para olhar e abordar os adolescentes. Não foi fácil, porque fazer uma coleta na rua é muito complicado, ainda mais com este público, que por estar em situação de rua não ficam nos mesmos locais. Fortaleza é muito grande, eles estão por toda parte, mas mesmo assim conseguimos realizar a abordagem”, detalha Edna.

Os agravos enfrentados - A pandemia de Covid-19 gerou diversas sequelas na sociedade. Entre elas, o aumento de 38% da população de rua no Brasil. A saúde do adolescente, em especial, foi um problema que se agravou a partir desta nova crise de saúde enfrentada pelo mundo nos últimos anos. “A violência aumentou, assim como os problemas educacionais e emocionais. As comorbidades nessa faixa etária se intensificaram e isso gerou um aumento das notificações. Esses índices que estão presentes requerem mais políticas públicas e muito mais atenção no momento que vivemos, já que eles emergem de forma mais expressiva. O crescimento de problemas nessa faixa etária culmina na perda da vida de pessoas deste público”, alerta Patrícia.

Edna destacou ainda a falta de políticas públicas específicas para adolescentes em situação de rua em toda a América Latina. “Por isso a importância de estudos como esse, para fazer justiça e fomentar a criação de políticas que ajudem os adolescentes. No Brasil, temos ações voltadas para a criança e o adolescente, mas elas são unidas, não têm um foco apenas nos adolescentes. Os detalhes e contextos enfrentados especificamente por eles precisam também de cuidados específicos, principalmente no contexto da pandemia, onde passaram a ficar ainda mais vulneráveis”, concluiu.

As soluções apontadas - O aprofundamento nesta realidade mostrou como é necessário entender a percepção sobre cuidados em saúde para atender às necessidades dos adolescentes de forma humanizada, criando um vínculo entre essa população e o serviço de saúde, considerando que diversas doenças podem ser agravadas pela permanência na situação de rua. A fragilidade da saúde e do bem-estar está associada às condições dos locais onde as pessoas dormem, com quem dormem e a qualidade/quantidade do sono, além da alimentação na rua e a higiene pessoal. Todo esse contexto, associado a uma sensibilização por parte do profissional de saúde que cuida deste público, deve receber mais atenção para proporcionar um melhor tratamento aos jovens. 

A compreensão do conceito de desigualdade também é fundamental no trabalho em saúde e na prática da enfermagem. Independentemente dos contextos de vida, a saúde pública deve desenvolver formas de contemplar essa parcela da população. O cuidado deve ser amplo, de forma que crie estratégias de saúde que intervenham nos problemas enfrentados por eles. A pesquisa entende que a enfermagem, como prática social, se propõe a compreender e atender às necessidades dos adolescentes em situação de rua tanto no âmbito individual como coletivo. Ela deve buscar promover cada vez mais seu desenvolvimento para que atue em prol da dignidade humana.

Por Fabrício Santos e Henrique Fontes

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