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Estudo retrata dificuldades de enfermeiros no atendimento a adolescentes gays


Créditos da imagem: natashoche666 by Freepik
 
Artigo científico expõe a situação de vulnerabilidade e invisibilização enfrentada por jovens homossexuais
 
A saúde pública no Brasil enfrenta problemas dos mais variados tipos. Faltam recursos e infraestrutura, principalmente, mas há uma parte da população que sofre com algo ainda pior: a falta de escuta e visibilidade com as suas dores. Foi a partir de sua vivência como homem gay que Luan Sudário Melo, ex-aluno da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), desenvolveu sua dissertação de mestrado que originou o artigo científico “Enfermeiros diante do cuidado à saúde de adolescentes gays”, publicado na Revista Latino-Americana de Enfermagem (RLAE).

Sempre sensível às questões que enfrentou por conta de sua orientação sexual, Luan tinha o desejo de trazer com o seu estudo uma forma de elucidar os problemas que ele vivenciou quando mais jovem, propondo reflexões para o público. As adversidades experimentadas pelo pesquisador não estavam atreladas apenas ao convívio em sociedade, mas também ao simples ato de ir em busca de um atendimento qualificado no Sistema Único de Saúde (SUS). Para entender mais a fundo como a assistência de saúde é feita para esse público, o pesquisador entrevistou remotamente 12 enfermeiros, dos quais oito trabalhavam na APS (Atenção Primária à Saúde) e quatro na Atenção Especializada em saúde LGBTQIA+ (Ambulatórios de Saúde LGBTQIA+) - ambos do SUS. 

Um dos relatos mais frequentes narrados pelos entrevistados foi o de que preconceitos e julgamentos experienciados pelos adolescentes gays na sociedade atravessavam, também, as interações com os profissionais nos serviços de saúde no momento do atendimento. Além do preconceito sofrido pela orientação sexual, esses jovens são alvo de julgamentos pelas relações sexuais que praticam e por sua identidade de gênero. Esse cenário gera aos adolescentes homossexuais o medo de simplesmente conversarem e se abrirem com o enfermeiro, uma vez que possuem receio de serem julgados por quem são, por suas atitudes e por suas vidas afetivas, dificultando o atendimento dos profissionais da saúde. Esses medos, segundo os entrevistados, não são vistos em pessoas heterossexuais, que se abrem normalmente e sem ressalvas sobre suas intimidades físicas e sexuais.

“A gente precisa olhar com cuidado para o processo da adolescência. Estamos em um país que é extremamente preconceituoso, os adolescentes gays enfrentam constantemente diversas violências e sofrem com muitas experiências negativas. A violência já começa dentro de casa e, infelizmente, acaba se estendendo aos serviços de saúde. Eles são invisibilizados por serem atendidos em padrões héteros-cis-normativos, que não olham para suas especificidades com o devido cuidado e acabam vulnerabilizados”, afirma Luan. Os padrões citados pelo autor do trabalho são os preestabelecidos de gênero e sexualidade. Ambientes hétero-cis-normativos são aqueles onde as normas e as expectativas em relação às pessoas giram em torno de comportamentos heterossexuais, em que as pessoas possuem relacionamentos afetivos com alguém do sexo oposto, e cis, no qual a identidade de gênero das pessoas coincide com o sexo biológico de nascença. 

O estudo de Luan também identificou que os adolescentes, em geral, são uma população de pouca relação com serviços de saúde frente a outros grupos e, quando gays, a procura por atendimento é ainda menor. O que prevalece na maioria das entradas em postos de saúde são buscas para questões relativas à sexualidade, infecções sexualmente transmissíveis (IST), uso de substâncias ilícitas, saúde mental e violências. Segundo os entrevistados, a falta de conforto em buscar o serviço é reflexo do medo de sofrer eventuais julgamentos por parte de usuários do serviço e dos profissionais de saúde. Alguns dos enfermeiros ouvidos no trabalho relataram que já atenderam jovens gays que mencionaram ter sofrido preconceito em atendimentos realizados em serviços de saúde. Quem deveria acolher, na verdade, afastava ainda mais o jovem - e isso, é claro, também é vivenciado dentro da própria família do adolescente. 

Em cima desse cenário, os enfermeiros entrevistados contaram que os adolescentes homossexuais normalmente procuram atendimento sem a presença de familiares, por se sentirem mais confortáveis. A presença de algum parente só é positiva - e a experiência do cuidado facilitada -, quando esta representa compreensão e suporte. Se o adolescente não tem apoio dentro de casa, ele traz esse medo para o atendimento. Os profissionais disseram que conseguiam fornecer um maior cuidado quando o adolescente falava de forma aberta e rica sobre si. Sem receios.

“O que me surpreendeu na busca dos dados e nas entrevistas é que o olhar da família é um obstáculo para que o enfermeiro possa atender melhor seu paciente. Um limitador do cuidado, gerando restrições na interação enfermeiro-adolescente. Os jovens não conseguem conduzir os familiares ao atendimento por ainda acreditarem se tratar de um contexto constrangedor, de pouco aparato. A falta de aceite e compreensão da família afasta este público de um local de conforto. Se a família não aceita o adolescente como ele é, ela se torna um limitador de como e o quanto ele pode ser cuidado”, disse o pesquisador. No estudo, foram raros os relatos por parte dos enfermeiros de famílias de pacientes que dialogam abertamente sobre o assunto. 

Os adolescentes gays estão constantemente inseridos em cenários de falta de cuidado. Por não atenderem às expectativas retrógradas impostas pela sociedade, estão sempre associados a fatores negativos como o de doenças, uso de drogas e afins. No serviço de saúde, eles dificilmente recebem um cuidado sensível, que tem empatia com suas questões, que não os generaliza, que os ouve e não os estigma de acordo com o que é pré-estabelecido em uma sociedade preconceituosa. Eles precisam de suporte e acolhimento, interesse legítimo do profissional com uma escuta qualificada e sem estereótipos para que haja um verdadeiro cuidado de sua saúde.

Orientado pela professora Monika Wernet da UFSCar, Luan buscou entender, do ponto de vista dos enfermeiros, de que forma essa população era cuidada. Mediante à sensação de invisibilidade, de não ser verdadeiramente enxergado pelos profissionais de saúde, ele e Monika procuraram esmiuçar os motivos da enfermagem, em dados momentos, não ser eficaz em sua principal gênese: o cuidado.

“Com relação ao cuidado com o adolescente gay, a gente já sabia da necessidade de escutá-los de forma sensível, atendendo suas necessidades. Isso é muito mais eficaz do que aquele atendimento guiado por pré-conceitos já postos, muitas vezes atrelados às infecções sexualmente transmissíveis (IST). É a escuta com sensibilidade que qualifica e sela este encontro cuidativo, ouvindo o que o paciente sofre e cuidando onde ele precisa, de forma específica e não-generalista. Nosso intuito é avançar na forma que o cuidado é realizado”, explica a docente.

O processo da adolescência é uma construção. É o momento de se descobrir, de começar a construir relações e a identidade social que será moldada no decorrer das experiências da vida. No contexto dos adolescentes gays, eles se encontram em situações de vulnerabilidade - tanto em políticas públicas, quanto em medidas de saúde-, uma vez que não existem formas específicas implementadas de como lidar com esse público. Os jovens homossexuais precisam ser enxergados dentro de casa, pela sua família; fora dela, pelo poder público; e dentro do serviço de saúde, pelos enfermeiros. Sem conceitos pré-estabelecidos ou preconceitos - no sentido mais puro da palavra. Precisam de afeto e cuidado como qualquer outra pessoa, mas com suas particularidades sendo tratadas como as de qualquer ser humano: com atenção, respeitando as especificidades e entendendo o que ele precisa. Protocolos existem para facilitar, e não para excluir algum público de receber o que é de  seu direito: saúde de qualidade.
 
Por Fabrício Santos e Henrique Fontes

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